As bases bíblicas do culto aos Santos estão desde o Antigo Testamento.
Até o século II a.C. os judeus acreditavam na existência do Hades ou Sheol e no adormecimento da consciência dos defuntos num lugar subterrâneo, incapazes de serem punidos ou contemplados.
Mas a partir do século II a.C. esta concepção foi abandonada pelo povo de Israel, passando a crer que a consciência dos irmãos falecidos continuava lúcida e que eles vivem como membros do seu povo, e solidários com os fiéis peregrinos na terra, e intercedendo por eles.
Muitos não católicos usam passagens do Antigo testamento para afirmar que os mortos não podem orar por nós:
“Os mortos não louvam ao Senhor, nem os que descem a sepultura” – Salmos 115, 17.
“Porque não pode louvar-te a sepultura, nem a morte glorificar-te; nem esperarão em tua verdade os que descem à cova” – Isaías 38, 18.
Esquecem que a própria teologia bíblica é um processo evolucional, e que o Novo Testamento, com Cristo, rompe o que era velho, o Antigo testamento.
Cristo aperfeiçoou os ensinamentos do Antigo Testamento, e abriu para nós o reino dos céus, o Paraíso (Lc 23, 43).
A noção de morte no Antigo Testamento é outra que a proposta pelos cristãos.
Apesar disso, há alguns trechos que assinalam a noção de vida consciente após a morte e de intercessão deles:
“E o Senhor disse-me: ainda que Moisés e Samuel se pusessem diante de mim, a minha alma não se inclinaria para este povo; tira-os da minha face e retirem-se” (Jer 15, 1 ss).
“Dá de boa vontade a todos os vivos, e não recuses este benefício a um morto” (Eclo 7,37)
Mas as almas dos justos estão na mão de Deus, e nenhum tormento os tocará. (Sabedoria 3,1)
Em II Mac 15,12-15 lemos: “Parecia-lhe (a Judas Macabeu) que Onias, sumo sacerdote (já falecido!) … orava de mãos estendidas por todo o povo judaico… Onias apontando para ele, disse: “Este é amigo de seus irmãos e do povo de Israel; é Jeremias (falecido!), profeta de Deus, que ora muito pelo povo e por toda a cidade santa”.
“Em seguida, fez uma coleta, enviando a Jerusalém cerca de dez mil dracmas, para que se oferecesse um sacrifício pelos pecados: belo e santo modo de agir, decorrente de sua crença na ressurreição, porque, se ele não julgasse que os mortos ressuscitariam, teria sido vão e supérfluo rezar por eles. Mas, se ele acreditava que uma bela recompensa aguarda os que morrem piedosamente, era esse um bom e religioso pensamento; eis porque ele pediu um sacrifício expiatório para que os mortos fossem livres de suas faltas” (II Mac 12, 43-46)
A evolução no conceito da vida após à morte é percebida claramente no texto de Macabeus (II Mac 15, 7-17).
Vemos nele que Jeremias, o profeta falecido no século VI a.C., aparece a judas Macabeu no século II a.C., juntamente com o Sumo Sacerdote Onias (também já falecido), como “o amigo de seus irmãos, aquele que muito ora pelo povo, pela cidade santa, Jeremias, o profeta de Deus”.
Diz a “Bíblia de Jerusalém” em nota de rodapé a 2Mc 15, 14: “Esse papel conferido a Jeremias e a Onias é a primeira atestação da crença numa oração dos justos falecidos em favor dos vivos”.
O problema é que os protestantes não têm esse livro em suas bíblias, pois consideraram que eles não pertenciam à Bíblia judaica primitiva.
O Antigo Testamento foi adotado, pela Igreja Católica, a partir de uma tradução para o grego de escrituras hebraicas antigas chamada de Septuaginta. Entre os judeus, a Septuaginta era tida como uma tradução não muito segura.
O cânon judeu estabelecido pelo Concílio de Jamnia (século I d.C e início do II d.C.) não correspondia aos livros da Septuaginta, que tinha livros a mais, entre eles os 2 livros dos Macabeus.
Os papas Dâmaso I e Inocêncio I determinaram que esses livros extras seriam definitivamente associados ao Antigo Testamento no século V.
Mas é importante notar que profecias como a de Malaquias (Malaquias 4:5-6), com a qual termina o Antigo Testamento cristão, por exemplo, não constituem o Antigo testamento hebraico, que terminaria em 2 Crônicas 36, 23.
Os manuscritos mais antigos do Novo Testamento que chegaram até nós foram o Códice Sinaítico e o Códice Vaticano, que datam dos séculos IV e V d.C.
Apesar de os protestantes terem livros faltando em suas Bíblias, por isso um dos motivos de eles não acreditarem na intercessão dos santos, o Novo Testamento deixa claro que a intercessão dos santos é possível e que eles participam mesmo depois de mortos da história da Igreja.
Na epístola aos Hebreus, o autor recorda os justos do Antigo Testamento, e mostra a sua solidariedade com os ainda vivos na terra.
Ele imagina esses justos colocados num estádio como que a torcer pelos irmãos ainda existentes neste mundo; constituem uma densa nuvem de torcedores interessados. São testemunhas que nos acompanham nesta luta de hoje:
“Portanto também nós, com tal nuvem de testemunhas ao nosso redor, rejeitando todo fardo e o pecado que nos envolve, corramos com perseverança para o certame que nos é proposto” (Hb 12,1).
Os mortos não estão dormindo. Os protestantes em sua maioria ensinam que os mortos estão “dormindo” e que somente na volta de Jesus haverá a ressurreição de todos; portanto, para eles, não há ninguém no Céu ainda, mesmo que seja apenas com a alma, como ensina a Igreja Católica.
Ora, desde os primórdios da Igreja ela acredita na imortalidade da alma, e que cada pessoa é julgada por Deus, imediatamente após a morte (Hb 9,27), recebendo já o seu destino eterno. E isto é muito claro nas Sagradas Escrituras.
A Carta aos Hebreus diz claramente, “como está determinado que os homens morram uma só vez, e logo em seguida vem o juízo”. (Hb 9,27)
Em Mateus 10,28 Jesus diz: “não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma (‘psyché”); temei, antes, aquele que pode fazer perecer na geena o corpo e a alma”.
A palavra grega “psychè” significa alma; então, o texto afirma a sobrevivência da alma após a destruição do corpo da pessoa.
Em Lucas 16,19-51, na parábola do rico e do pobre Lázaro, Jesus apresenta a sobrevivência consciente tanto dos justos como dos injustos.
O rico após a morte vai para um lugar de tormento; e o pobre para um lugar de gozo. Isto enquanto a vida continua na terra, quer dizer, antes da volta de Jesus. O rico tinha cinco irmãos que poderiam também se perder também; e mostra que os defuntos sobrevivem após a morte e recebem já o prêmio ou o castigo.
Não se pode dizer que está parábola é apenas mera ornamentação; ao contrário, traz um ensinamento religioso e doutrinário fundamental.
A ressurreição da carne no último dia, na consumação da história com a volta de Jesus, dará algo mais à felicidade dos justos cujas almas já estão no gozo da presença de Deus.
Essas almas se unirão a seus corpos ressuscitados e viverão na plenitude de suas pessoas. A ressurreição da carne completará a ordem e a harmonia que a alma santa já desfruta após a morte.
Vemos em Ap 6, 9-11 que as almas dos justos martirizados aspiram, na presença de Deus, à plena restauração da ordem e da justiça violadas pelo pecado; e assim, esperam algo que ainda não aconteceu, e que vai acontecer só na Parusia.
Embora elas já estejam revestidas de vestes brancas, que é símbolo da vitória final e da bem-aventurança, continuam a acompanhar a nossa história, aguardando com expectativa o julgamento do Senhor (Apo 6,11).
“Quando abriu o quinto selo, vi debaixo do altar as almas dos homens imolados por causa da palavra de Deus e por causa do testemunho de que eram depositários.
E clamavam em alta voz, dizendo: Até quando tu, que és o Senhor, o Santo, o Verdadeiro, ficarás sem fazer justiça e sem vingar o nosso sangue contra os habitantes da terra? Foi então dada a cada um deles uma veste branca, e foi-lhes dito que aguardassem ainda um pouco, até que se completasse o número dos companheiros de serviço e irmãos que estavam com eles para ser mortos.” (Ap 6,9-11)
A morte para os cristãos é o encontro com Cristo, como nos diz São Paulo (II Cor 5,1).
Os mortos são seres conscientes para os cristãos (I Pe 3, 18-19; 4, 6)
Com a morte somos julgados imediatamente (Hb 9,27) (RM 14,10) (II Cor 5, 10) e vamos para o céu ou para o inferno (Lc 23,42), (Mt 25,34), (Mt 25,41).
Os que ainda não estão totalmente puros (Sl 14; Hb 12, 22-23; Mt 5,8) para entrarem no céu, e ainda devem expiar algum pecado (I Cor 3, 10-15), (pois cada pecado tem sua consequência e Deus perdoa nosso pecado, mas devemos pagar de alguma forma pelo erro que cometemos), ficam em Purificação, o Purgatório (Mt 12, 32), (I Cor 3, 10-15), (II Mac 12, 43-46), (I Cor 15,29).
Assim, no cristianismo, a morte é uma passagem para o céu e todos os que estão no céu podem orar pelos que estão na terra, já que “Na ressurreição, os homens não terão mulheres nem as mulheres, maridos; mas serão como os anjos de Deus no céu.” (Mt 22,30).
Apesar de ainda estarem esperando a ressurreição, os homens e mulheres justos, já estão na presença de Deus (Apoc 7,13-15), esperando pelo desfecho final da história humana (Apoc 6,9-11), assim, sendo como os anjos, intercedem por nós continuamente (Apoc 8,3-4), (Mt 18,10).
Fonte: santossanctorum.blogspot.com.br
Paulo Lelis
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